28.6.07

Haikus II


Um anel procurava
um dedo para amar,
mas não para se casar.


O ponteiro dos minutos corre para apanhar as horas.
Quando lá chega,
já não são horas para o encontro.


No meu quintal
há um pé de salsa
que dança o tango.


Um mudo,
pegou nuns miúdos
e trocou-os por palavras.


Ia saltar de um precipício,
mas precipitou-se e caiu.

Cross over


Haikus


A minha pele foi
vendida
a preço de bronze.

Um louco
regava uma árvore
para lhe apagar o fogo.

O pó
lê os livros
do meu escritório.

Os vidros da janela
esconderam-se
numa seringa de penicilina.

Um dia
saltou-lhe a tecla
de tanto se conter.

26.6.07

Nosferatu



















Photo by Rui Romão

FIM


Pelo início começa esta história. É a história do FIM. Uma história que não vai ter fim porque o FIM é imortal. Está sempre garantido, seja no fim do dia, da semana, de um livro ou só de um capítulo. Não tem de se apressar, nem de correr, porque o último lugar é sempre dele.

Esta é a história que conta a história do FIM mas não vai acabar, porque o fim tem o fim de tudo, mas não se tem a ele próprio.

21.6.07

Cega


Estava atrás de ti
num beco
e mesmo assim
não te vi.
Estava atrás do teu
eco
e mesmo assim
não te ouvi.

Mesmo assim,
não vi
que estavas atrás
de mim.

Labirinto



Bolacha Maria


Bolacha Maria estava pronta para sair do pacote onde vivia com as suas outras irmãs. A mãe de Bolacha Maria era a genuína, embora já um pouco mole, da idade, continuava a ter voz firme e a alertar a filha para os perigos que ia encontrar lá fora. Meninos que a iam querer comer, simples ou numa versão mais atrevida, com doce. Velhinhas que a iam querer molhar no leite e desfazê-la, senhoras que a iam envolver em orgias culinárias, com manteiga, natas, leite condensado e café. Mas nada impedia bolacha Maria de sair, até porque a sua vez tinha chegado. Foi deslizando do pacote tombado sobre a mesa e ficou deitada sobre esta de olhos bem esbugalhados e migalhas atentas. Passaram-se várias horas e nada. Estava já o dia a anoitecer quando sente os primeiros movimentos junto da mesa. Quando olha vê dois grandes olhos verdes e uns bigodes a fazerem-lhe cócegas nas bochechas. Parecia o gato. Com um movimento certeiro, ele dá-lhe com a pata e Bolacha Maria voa até ao tabuleiro do lanche da menina Rita, aterrando em cima do prato de torradas. Em coche particular lá vai ela toda deliciada pela casa fora a ver os quadros, os móveis, os cortinados. Nunca tinha visto mais do que o supermercado e a cozinha da família. A menina Rita chega ao quarto, pousa o tabuleiro, pega em bolacha Maria e molha-a no chá. Uma semana depois a família reuniu-se para a missa de sétimo dia.

Setembro 2006

20.6.07

Sem prefixo


Estou desequilibrada, descompensada, desencontrada, descontente.

Queria cortar os prefixos para me sentir só verbo e adjectivo.

14.6.07

Papoila Margarida


Papoila Margarida sofria de um mal incurável desde que conhecera Arnaldo Romeu. Os primeiros sintomas surgiram no dia em que o viu pela primeira vez. Um prolongado formigueiro apoderou-se das pernas de Papoila Margarida. Quando deu por ela tinha um carreiro de pequenas trabalhadoras a subirem-lhe do pé, para os gémeos, seguindo o sentido ascendente até aos joelhos. Nesse momento, em que se aproximavam perigosamente das partes baixas, Papoila Margarida teve um momento de sanidade e sacudiu o formigueiro das suas pernas, voltando a impor o respeito e dignidade aos seus cândidos membros inferiores.

Novembro 2003

Perde a conta


Se te perderes um pouco todos os dias,

acabarás por te encontrar.
Um dia.
Depois de cometeres todos os erros,
acabarás por te aperceber.
Do erro.
Quando perceberes o que conta,
Acabarás por te dar.
Conta.

A P/B