30.1.07

Estar ausente


















Está na moda estar ausente. Seja pela vida ou pela net. Pelo telefone ou simplesmente nas conversas do coração. Está na moda estar ausente, não dizer o que se pensa, nem dizer o que se sente. Que é como quem está, sem estar, quem não dá opinião, mais vai dizendo que sim e vai dizendo que não. Que é como quem não assume, não se envolve,

mas que está lá deixada ao Deus dará. Que aceita e festeja e brinda e graceja. Mas não está ali. Está para ali. Está ausente porque está na moda. Faz pose de indiferença para que não se dê pela sua presença. E é um incómodo dar por ela, quando a única coisa que a ausência quer é estar presente, estando ausente.

26.1.07

Why?


Para quê tantas palavras. Para quê tantas conversas. Quando tudo o que se diz não passam de tretas. Para quê tanta promessa. Para quê tanta atenção, se ao virar da esquina todos tiramos a máscara que usámos com convicção. Para quê tanta mentira. Para quê tanta verdade. Se ao fechar a porta revelamos a nossa pura personalidade. Why do clowns will always be clowns playing dumm, and darlings will always be darlings playing fun, if all we have in the end is our souls sleeping in the sun...

Estás do outro lado














Estás do outro lado.

O meu outro eu está longe de mim.
Está do outro lado.
Uma lente vê o teu corpo nu,
preto, branco e estrelado.
Eu vejo-o com mil cores, quando está comigo deitado.
Uma lente separa-me de ti.
Estás do outro lado,
lindo e apaixonado.
Quero reter-te num retrato do que és
quando olho para nós
fechados no quarto.
És o outro que está ali,
mas serás sempre meu
enquanto estiveres do meu lado



12.1.07

Perfume























Tinto


Seduz os sentidos.
Revela segredos, quando se solta.
Primeiro vêm os aromas
mais voláteis,
um de cada vez.
Depois,
tocam-nos no corpo
as notas de coração.
O tempo traz o doce,
o ácido ou o tanino.
E a nota de fundo
no fim de boca,
traz a rendição.



Branco

Floral, verde,
frutado, oriental ou suave.
Assim nos leva
o sentido do olfacto
na boca do frasco.
Solta-se o bouquet
de notas verdes e
um leve giro no copo,
solta o corpo
e a madeira.
No fim de boca,
toca a nota de fundo.
A última
e derradeira.

Pecados


1


Uma porta abre. Pesada.
Silêncio.
Fica no lugar.
Ser espectador é seguro.
Tentador.
Entrar é uma mistura.
Querer e saciar.
A dúvida está lá fora.
À espera.
Vamos ou ficamos?


2

No “se” não se fica.
Com certeza de nada.
Só se quer.
Fazer. Fazer. Fazer.
Nada é muito pouco
para o que se pode ter.
Fazer. Está prestes.
E depois...
O pecado deixou-se
cometer.


3


Abre-se com vontade.
E de uma vez só, vai.
Por luxúria.
Não devo, mas posso.
Vou fazer. Só pelo prazer.
Para experimentar.
Pela culpa e castigo.
Tem de se ser.
Vou ganhar ou perder.


4


É o que nos move.
Pelo estímulo, pelo prazer. Pelo depois.
Pelo segredo, pela descoberta.
É o que nos move.
Às escondidas. Atrás das portas.
Pela sombra.
Porque quer ser vencido.
Pelo castigo.
Não se deve.
Por isso mesmo.




10.1.07

Platónico


















1

Será que sentes o mesmo ou isto é só comigo? Fico assim, no ar, envolvido pelo aroma que me toca por dentro. Eu não sei, mas fico assim solto, contigo. Acho que é amor, mas não importa, desde que seja tinto a cor que sinto.

2

Podia ser uma declaração de amor. Mas não é. É algo que se diz sem se dizer, que quero guardar para sempre, mas que me foge. É etéreo, mas já nem isso quero saber, desde que seja branco a cor que fica do encanto.

3

Depois de todas as palavras terem sido ditas e de todos os sons terem sido escritos, resta um nada que se diz no silêncio. Entre o fresco da boca e o pousar, só quero ver, para que tudo mostre a sua cor rosé e eu saiba a verdade tal como ela é.

9.1.07

As coisas simples da vida, ou, a vida é feita de coisas simples.


Pim...pam...pum... um ovo cozido, camarão, molho cocktail e uma cerveja na mão. Meia meloa, umas fatias de presunto, outra cerveja e tchim tchim. Uns ténis, uma calçada... abracadabra... um fim de tarde e uma garrafa. Água.
Uma estrada. A companhia perfeita.
Uma folha e uma caneta. Escrever uma carta.
Um rádio sintonizado numa balada. Um chá gelado e mais nada.

4.1.07

Olhos grandes



















Fotografia de Patrícia Lima

Olhos grandes


Gosto de olhos grandes
que olhem para mim
esbugalhados e pasmados
a transbordar de satisfação.

Gosto de olhos grandes
daqueles que enchem
uma sala e o coração.

Gosto de olhos grandes demais
para uma cara,
mas que demais nunca são.

Gosto daqueles olhos grandes,
definidos e lindos que nos devoram.
Que não pedem, que só dão.

Aqueles olhos grandes,
que mesmo sem quererem
têm toda a nossa atenção.

3.1.07

Pregos


Tenho o coração cheio de pregos de açúcar e algodão doce. Mais difíceis de tirar do que os de ferro. Tenho o coração cheio de cáries provocadas pelo açúcar. Mais difíceis de tratar porque um dentista nunca vai conseguir lá chegar.

Bom Ano














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